Agronegócio
contamina rios da Amazônia
por SILVIO NAVARRO - da Agência Folha -
05/06/2005
A expansão acelerada do agronegócio nos últimos
anos já compromete os rios e bacias subterrâneas da chamada
Amazônia Oriental, que agrega os Estados do Pará, Maranhão,
Amapá, Tocantins e de Mato Grosso.
O avanço da
fronteira agrícola, basicamente das lavouras de soja, arroz,
milho e algodão, está matando os igarapés da Amazônia
devido ao uso excessivo de agrotóxicos, borrifados para proteger
plantações de grãos e alavancar a produção.
Igarapé é um termo popular no norte do país para
se referir a um riacho que nasce na mata e deságua num rio.
O tema preocupa o Ministério
do Meio Ambiente e é objeto de um estudo em curso da Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Os resultados
preliminares da pesquisa sinalizam que o quadro de contaminação
das águas tende a se agravar na mesma proporção
com que a soja --lavoura que salvou a pauta de exportações
brasileira no último
ano-- prospera na região.
"À medida
que a densidade populacional for aumentando, os problemas virão,
os
mesmos que afetam o Tietê", afirma o pesquisador da Embrapa
Ricardo Figueiredo, em alusão ao rio paulista, morto no trecho
que atravessa a capital. Figueiredo é responsável pelo
projeto "Agrobacias Amazônicas", que tem como objetivo
traçar o perfil da hidrologia e o respectivo percentual da contaminação
por agrotóxicos.
Quantificação
O projeto é
realizado em parceria com outros especialistas, da Universidade Federal
do Pará, da USP (Universidade de São Paulo) e das Universidades
da Georgia (EUA) e de Bonn (Alemanha). A previsão é que
esteja concluído no final do ano que vem.
Ainda não há
um número consolidado de quantos rios já estão
poluídos, mas, segundo os pesquisadores, o estrago causado pela
interferência humana em riachos é geralmente irreversível.Os
primeiros estudos de caso foram feitos em 24 pontos de igarapés
nas
agrobacias dos municípios paraenses de Paragominas (326 km de
Belém) --onde o cultivo de grãos cresceu cerca de 40%
nos primeiros meses deste ano em relação ao ano passado-
e em 28 pontos de Igarapé-Açu (110 km da capital). Em
ambos, os resultados são alarmantes.Às
margens da rodovia BR-153 (Belém-Brasília), Paragominas,
conforme
definição da Embrapa, é um exemplo emblemático
da chamada "idade dos grãos", que sucede os ciclos
de exploração madeireira e de pecuária na porção
oriental da Amazônia. O município é cortado por
rios importantes, como o Uraim e o Coraci, ambos afluentes do rio Gurupi,
que separa o Pará do Maranhão.
Uma das bandeiras da
Secretaria Especial de Produção do Pará é
que o Estado "concentra cerca de 3% do total de água doce
do mundo" e 30 milhões de hectares de terras disponíveis
para o plantio. Muitos produtores paraenses, no entanto, não
têm títulos de posse das áreas --muitas vezes terras
públicas griladas.
Os dados da Embrapa
apontam que os igarapés locais não têm mais potencial
de pesca e apresentam sinais de contaminação, constatados
por meio do baixo pH e da baixa concentração de oxigênio
da água. A diminuição de oxigênio também
decorre da construção de minirrepresas e desvios no cursos
dos rios, feitos por fazendeiros para abastecer suas lavouras e pastagens.
Acidez
O potencial hidrogeniônico,
conhecido como pH, é a fórmula utilizada para determinar
se a água está ácida ou alcalina. A escala varia
de 0 a 14. O sete representa a neutralidade. No caso dos riachos citados,
o pH estava em torno de 6, ou seja, ácido.
Numa das amostragens,
os pesquisadores analisaram a qualidade das águas em três
agrobacias de Paragominas, com cobertura florestal de 18%, 34% e 45%,
respectivamente, e compararam os resultados entre si e aos de uma bacia
situada a 80 km do município, cuja mata nativa está intacta.
A conclusão é que o nível de poluição
dos riachos aumenta drasticamente conforme a quantidade de plantações
de grãos.
No caso da análise
em Igarapé-Açu, foi constatado que os agricultores utilizam
os agrotóxicos em escala maior do que recomenda o Ministério
da Agricultura. Segundo o estudo, 46% dos produtores fazem uma aplicação
semanal de produtos químicos. Outros 29%, duas aplicações
por semana. Apenas 11% deles seguem a orientação do governo
de utilização quinzenal dos produtos, em doses controladas.
O percentual restante usa menos
ainda."Na bacia hidrográfica
os agrotóxicos são utilizados com elevada freqüência,
sem preocupação com a integridade dos recursos hídricos",
diz o estudo sobre as águas de Igarapé-Açu, que
lista quatro produtos químicos, entre fungicidas, pesticidas
e fertilizantes: dimetoato, deltametrina, difenoconazole e mancozeb.
Segundo o Ministério
do Meio Ambiente, não existe licença ambiental específica
para plantação de grãos. O Ibama monitora apenas
o desmatamento das florestas que, nos municípios citados, por
exemplo, ocorreu há uma década.
Fiscalização
precária
A fiscalização
das lavouras cabe à Secretaria de Agricultura do Estado. No caso
do uso das águas --interdição do curso do rio e
represamento--, a competência é da ANA (Agência Nacional
de Águas) para os rios federais. A própria Secretaria
Nacional de Recursos Hídricos, entretanto, admite que a fiscalização
é precária na Amazônia.
João Bosco Senra,
secretário nacional de Recursos Hídricos, diz que a solução
para conciliar o avanço do agronegócio aos danos ambientais
é a implementação de instrumentos de fiscalização
na região. "Há licenciamento da agroindústria
por parte da ANA quando é um rio federal, é um instrumento
novo, de 1997, mas na região do Amazônia não está
bem implementado."
Apesar da ressalva
de "que não se pode generalizar os empreendimentos",
o secretário afirma que é preciso um mecanismo mais rigoroso
para a autorização de uso da água dos rios.